domingo, 12 de junho de 2011

Leituras que contam (III): como a internet nos encasula

Uma busca no google (e outros search engines) realizada por duas pessoas no seu computador pessoal sobre determinado assunto pode redundar em resultados perfeitamente distintos. Isto porque os motores de busca vão construindo o nosso B.I. a partir do nosso histórico de navegação, seleccionando aquilo que poderá ter mais interesse para nós (e dar vantagens económicas a outros). Ora, se a nossa experiência online está assim condicionada, isso significa que se nos fecham outras possibilidades de conhecimento e partilha de informação.

"The new internet doesn't just know you're a dog: it knows your breed and wants to sell you a bowl of premium dog food."

A personalização da internet tem como consequência a limitação da nossa exposição a áreas que são de menor interesse para nós, com consequências inimagináveis ao nível da construção do eu social e da discussão pública de problemas que transcendam o nosso interesse individual.

O artigo completo, em inglês, no Guardian, baseado num artigo de Eli Paliser em The Filter Bubble:

Vale mesmo a pena ler!

sábado, 21 de maio de 2011

Jornal ao lixo!

Não há nada que mais me irrite que um jornal falsamente isento. Acabei de ver, num noticiário televisivo, que a capa do Jornal de Notícias de hoje, na sua edição em papel, ostenta este título extraordinário: "Sócrates confiante, Passos hesitante".

Admito que um órgão de comunicação social possa ser apoiante de um qualquer partido (ou clube de futebol, banda filarmónica ou o raio que o valha), mas deve identificar-se claramente como tal. Não o fazer é contribuir para uma cidadania menor.

O lixo passa a ser (já não estava longe) o destino deste pasquim!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Leituras que contam (II): Chief Mouser

Não, não é o nome de uma arma, mas tem uma função semelhante: Chief Mouser to the Cabinet Office é o nome do novo membro do governo britânico. Não será exagero se dissermos que a Assembleia da República poderia fazer bom uso de um reforço desta estirpe, tal é a ratagem que ali prolifera, desbastando o erário público, roendo descaradamente salários, subsídios e direitos adquiridos afins. Podem saber mais sobre este aliado mortal no The Telegraph, no SapoNotícias (menos extenso) e até na Wikipédia (com informação detalhada sobre os seus predecessores implacáveis).

E por que é uma leitura que conta? - Porque os portugueses não são capazes de fazer humor com tanta seriedade. E o humor sério engrandece.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Fevereiro esquizofrénico

O Primeiro Ministro jurou a pés juntos, hoje, perante socialistas anestesiados, que Portugal está no bom caminho. Está tudo bem, tudo, incluindo a capacidade de se financiar no estrangeiro a juros fantásticos. É um país extraordinário, liderado por um homem incomensurável!

Há nove anos, uma octogenária morreu no seu apartamento, naturalmente, ao fim de uma vida aparentemente só, incógnita. Foi preciso que As Finanças arregaçassem as mangas para que se soubesse de tão infeliz acontecimento. Ao menos estas sabem fazer o seu trabalho. Limpíssimo. Urra!

Nas escolas, os professores preparam-se para se avaliarem uns aos outros, concorrendo, avaliadores e avaliandos, para as mesmas quotas - apesar de ainda não saberem quais são ou se virão a existir de facto. Está tudo em festa! É uma bacanal! Não tardarão as notícias de abusos inebriados. E ainda não chegaram todas as alterações legislativas, todas as adaptações curriculares, todas as circulares e todos os despachos que esclarecem e alteram a legislação novinha em folha. Um fartote de ideias brilhantes que emana todos os anos do iluminadíssimo Ministério da Educação. E que este ano parece trazer uma cereja no topo do bolo: uma desejadíssima dieta de horários para o próximo ano lectivo. Vão ser sete cães a uma cereja! Um regabofe! Sim, cães, pois, como diz o ditado, é assim que os tratam!

Francisco Louçã e o nosso primeiríssimo discutiam acaloradamente quem tinha o dito mais pequenino, quando, no calor da refrega parlamentar, e porque este se furtava a esse título liliputiano, rejeitando liminarmente submeter-se à confiança dos seus congéneres de câmara, aquele arremessou-lhe, com a antecipação de um mês, uma moção de censura. E todos se calaram! Saiu-lhe, coitado! Está tudo perdido! Estão todos perdidos!

Os gatos, indiferentes, vagueiam pelos telhados, à luz da lua e das estrelas; circulam casas, prédios, muros...  Inconsolados, em esquizofrenia consertada. Mas estes sabem o que querem: é Fevereiro e faz frio.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Leituras que contam (I): "terras raras"

As mil e uma coisas que gosto de fazer tornam a frequência das postagens nos meus quatro blogues menos regular do que o almejado. Abro hoje uma nova "coluna" n'Este Fulgor Baço da Terra. Optimizo o tempo: partilho algumas leituras que justificariam postagens originais; ao fim e ao cabo, deixo aos outros aquilo que eles saberão dizer melhor do que eu.
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"Terras raras". Que belo conceito; que inesperado significado; que inquietante futuro nos parecem reservar...
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Terras raras são sinónimo de metais de terras raras. Ficam a saber o mesmo, por certo. "Rare earths" ou "rare earth metals", em Inglês, como aparecem no artigo para que vos remeto, no jornal britânico Guardian. Descubram-nas, porque é importante.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O fim da autenticidade?

O resgate dos mineiros chilenos é um marco na história da televisão: é o funeral simbólico da autenticidade - já há muito desaparecida dos nossos ecrãs, exceptuando algumas aparições fugazes.
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A única coisa verdadeiramente autêntica neste espectáculo mediático são os sentimentos profundos dos mineiros - mas, mesmo estes, contidos, modelados por imperativos políticos e de imagem televisiva.
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Até numa ilha deserta a vida seria mais interessante.
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E um bom romance do Vargas Llosa é mais verosímil do que esta make up da realidade.
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A ficção ultrapassa a realidade: não no plano da imaginação, como é comummente referido, mas no da similitude do imanente.
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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mario Vargas Llosa - um Nobel tardio e urgente

Embora não haja limites para o reconhecimento público, mais vale tarde e em vida do que nunca ou postumamente.
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Mario Vargas Llosa ganhou o Nobel da Literatuta 2010. Mas já o podia ter ganho há 20-30 anos. De certo modo, é incompreensível que só agora lho tenham atribuído. Por outro lado, é significativo que tenham escolhido este momento da História.
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Num mundo de regimes ditaturais emergentes, de princípios civilizacionais quase sagrados postos em causa, de transformações económicas e sociais imprevisíveis, as obras de Mario Vargas Llosa poderão servir-nos de farol, de baluarte do muito que foi conquistado pelo Homem no último século.
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Se a minha humilde opinião vos servir de guia, são três as obras que deverão ler urgentemente:
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- A Cidade e os Cães, 1963
- Conversa na Catedral, 1969
- A Guerra do Fim do Mundo, 1981
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Não, não li toda a sua obra. Mas li o bastante para não necessitar de aconselhar mais nenhum título. E se puderem ler apenas uma delas, percam-se no labirinto das conversas na Catedral, que assim começa:
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Da porta de La Crónica, Santiago comtempla a Avenida Tacna, sem amor: automóveis, edifícios desiguais e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos a flutuar na neblina, o meio-dia cinzento. Em que altura se tinha fodido o Perú? Os ardinas vagueiam entre os veículos detidos pelo semáforo da Wilson, apregoando os jornais da tarde, e ele começa a andar, devagar, em direcção à Colmena. De mãos nos bolsos, cabisbaixo, é escoltado por transeuntes que se dirigem, também, à Plaza San Martín. Ele era como o Perú, Zavalita, a certa altura, tinha-se fodido. Pensa: em que altura? De fronte do Hotel Grillón, um cão vem lamber-lhe os pés: põe-te a mexer, não vás estar raivoso. O Perú fodido, pensa, Carlitos fodido, todos fodidos. Pensa: não há solução.
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É uma obra muito difícil, de diálogos cruzados no espaço e no tempo, em que o leitor é chamado a reconstruir as peças da narrativa. O sofrimento exigido ao leitor nessa reconstrução vertiginosa espelha a opressão que condiciona os actos e as convicções dos personagens. É uma obra genial, daquela mão-cheia que levaríamos para uma ilha isolada.
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Mas façam um esforço suplementar e leiam as outras duas. Mais fáceis de ler, mas não menos grandiosas. Merece o Vargas Llosa e merecemos nós, apaixonados por textos sublimes ou simples homens preocupados com o seu futuro.
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Imagem da capa e excerto da edição de 1991 do Círculo de Leitores

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu José Saramago, O Imaginador

Dizia-se das suas obras que eram difíceis. Incompreensíveis, até. E ostensivamente vermelhas. A minha mãe, que tem a antiga 4ª classe e é social-democrata, não concorda. Devorou o Ensaio sobre a Cegueira como quem segue fielmente o enredo de uma telenovela - que ela também vê.
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Só duas coisas o podem explicar: a minha mãe é muito paciente e gosta de histórias bem imaginadas e surpreendentes.
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A escrita de Saramago exige perseverança por parte do leitor, pois desafia os nossos modelos de leitura e joga com o nosso fio de raciocínio, recreando-se provocadoramente com as palavras. Ninguém poderá escrever como José Saramago, pois a sua palavra é tão distinta que qualquer imitação não será mais do que isso: a escrita de Saramago. Tal como reconhecemos a de Vargas Llosa, a de Ubaldo Ribeiro, a de Faulkner...
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As histórias imaginadas por José Saramago são irrepetíveis. Todos os seus livros narram histórias quase inimagináveis. É esse o seu ponto mais forte.
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José Saramago ficará na história da literatura universal por três obras - aquelas a que chamamos primas: o já referido Ensaio sobre a Cegueira, O Ano da Morte de Ricardo Reis e o Memorial do Convento. Porque a três histórias universais, Saramago soube aliar uma escrita irrepreensível, vivaz, sôfrega, inteira. Fechamos estes livros e sabemos que mais nada havia a contar, nem podia ser contado de outro modo. São obras completas.
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Morreu o homem, fica o escritor.
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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Santana Lopes revisitado

A República Portuguesa está num impasse: atravessa um momento da sua história em que não é possível discernir para onde vamos e com quem. O primeiro ministro já perdeu o direito à grafia em maiúsculas: anda tão desnorteado como Santana Lopes quando colocado à proa desta nau sem velas, inebriado de vertigem, a perorar dislates. José Sócrates mostra a sua desorientação na teimosia: "como não sei onde fica o norte, vamos sempre em frente - o futuro está ali, é verde esperança!", mesmo que todos o vejamos negro como breu. O que diferencia este momento do anterior é o grau de profundidade da crise: eleições antecipadas seriam mais uma pazada no fosso em que estamos. Falta saber se com ela não poderíamos encontrar um pouco de bom-senso, o ouro da contemporaneidade política. De que, parece, só a Cavaco Silva resta um pouco. Será suficiente?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O clamor!

A deputada Inês de Medeiros tem o manifesto azar de ter a sua residência oficial na cidade de Paris. Teve ainda a infelicidade de ser eleita como deputada à Assembleia da República pelo partido socialista, tributo dos eleitores ao seu percurso de serviço dedicado à causa pública. Não levanta qualquer incompreensão fundada, pois, que o Conselho de Administração da Assembleia da República tenha aprovado hoje um Despacho que autoriza o pagamento das suas viagens à Cidade Luz, para o seu justo descanso.
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Um clamor indignado avoluma-se por esta terra enjeitada. E não é que vem dessa classe mal-agradecida, desses privilegiados da nação! Desses, desses e dessas dezenas de milhar que, diariamente, percorrem com abnegação milhares de quilómetros de estradas inefáveis para cumprir o nobre rito da certificação escolar!
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Terão eles a suprema lata de exigir também "direito ao subsídio de transporte e ajudas de custo?!" Se assim é, avalie-se já o seu imperfeito juízo!