sábado, 19 de junho de 2010

Morreu José Saramago, O Imaginador

Dizia-se das suas obras que eram difíceis. Incompreensíveis, até. E ostensivamente vermelhas. A minha mãe, que tem a antiga 4ª classe e é social-democrata, não concorda. Devorou o Ensaio sobre a Cegueira como quem segue fielmente o enredo de uma telenovela - que ela também vê.
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Só duas coisas o podem explicar: a minha mãe é muito paciente e gosta de histórias bem imaginadas e surpreendentes.
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A escrita de Saramago exige perseverança por parte do leitor, pois desafia os nossos modelos de leitura e joga com o nosso fio de raciocínio, recreando-se provocadoramente com as palavras. Ninguém poderá escrever como José Saramago, pois a sua palavra é tão distinta que qualquer imitação não será mais do que isso: a escrita de Saramago. Tal como reconhecemos a de Vargas Llosa, a de Ubaldo Ribeiro, a de Faulkner...
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As histórias imaginadas por José Saramago são irrepetíveis. Todos os seus livros narram histórias quase inimagináveis. É esse o seu ponto mais forte.
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José Saramago ficará na história da literatura universal por três obras - aquelas a que chamamos primas: o já referido Ensaio sobre a Cegueira, O Ano da Morte de Ricardo Reis e o Memorial do Convento. Porque a três histórias universais, Saramago soube aliar uma escrita irrepreensível, vivaz, sôfrega, inteira. Fechamos estes livros e sabemos que mais nada havia a contar, nem podia ser contado de outro modo. São obras completas.
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Morreu o homem, fica o escritor.
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