domingo, 26 de dezembro de 2010

Leituras que contam (I): "terras raras"

As mil e uma coisas que gosto de fazer tornam a frequência das postagens nos meus quatro blogues menos regular do que o almejado. Abro hoje uma nova "coluna" n'Este Fulgor Baço da Terra. Optimizo o tempo: partilho algumas leituras que justificariam postagens originais; ao fim e ao cabo, deixo aos outros aquilo que eles saberão dizer melhor do que eu.
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"Terras raras". Que belo conceito; que inesperado significado; que inquietante futuro nos parecem reservar...
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Terras raras são sinónimo de metais de terras raras. Ficam a saber o mesmo, por certo. "Rare earths" ou "rare earth metals", em Inglês, como aparecem no artigo para que vos remeto, no jornal britânico Guardian. Descubram-nas, porque é importante.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O fim da autenticidade?

O resgate dos mineiros chilenos é um marco na história da televisão: é o funeral simbólico da autenticidade - já há muito desaparecida dos nossos ecrãs, exceptuando algumas aparições fugazes.
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A única coisa verdadeiramente autêntica neste espectáculo mediático são os sentimentos profundos dos mineiros - mas, mesmo estes, contidos, modelados por imperativos políticos e de imagem televisiva.
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Até numa ilha deserta a vida seria mais interessante.
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E um bom romance do Vargas Llosa é mais verosímil do que esta make up da realidade.
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A ficção ultrapassa a realidade: não no plano da imaginação, como é comummente referido, mas no da similitude do imanente.
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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mario Vargas Llosa - um Nobel tardio e urgente

Embora não haja limites para o reconhecimento público, mais vale tarde e em vida do que nunca ou postumamente.
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Mario Vargas Llosa ganhou o Nobel da Literatuta 2010. Mas já o podia ter ganho há 20-30 anos. De certo modo, é incompreensível que só agora lho tenham atribuído. Por outro lado, é significativo que tenham escolhido este momento da História.
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Num mundo de regimes ditaturais emergentes, de princípios civilizacionais quase sagrados postos em causa, de transformações económicas e sociais imprevisíveis, as obras de Mario Vargas Llosa poderão servir-nos de farol, de baluarte do muito que foi conquistado pelo Homem no último século.
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Se a minha humilde opinião vos servir de guia, são três as obras que deverão ler urgentemente:
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- A Cidade e os Cães, 1963
- Conversa na Catedral, 1969
- A Guerra do Fim do Mundo, 1981
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Não, não li toda a sua obra. Mas li o bastante para não necessitar de aconselhar mais nenhum título. E se puderem ler apenas uma delas, percam-se no labirinto das conversas na Catedral, que assim começa:
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Da porta de La Crónica, Santiago comtempla a Avenida Tacna, sem amor: automóveis, edifícios desiguais e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos a flutuar na neblina, o meio-dia cinzento. Em que altura se tinha fodido o Perú? Os ardinas vagueiam entre os veículos detidos pelo semáforo da Wilson, apregoando os jornais da tarde, e ele começa a andar, devagar, em direcção à Colmena. De mãos nos bolsos, cabisbaixo, é escoltado por transeuntes que se dirigem, também, à Plaza San Martín. Ele era como o Perú, Zavalita, a certa altura, tinha-se fodido. Pensa: em que altura? De fronte do Hotel Grillón, um cão vem lamber-lhe os pés: põe-te a mexer, não vás estar raivoso. O Perú fodido, pensa, Carlitos fodido, todos fodidos. Pensa: não há solução.
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É uma obra muito difícil, de diálogos cruzados no espaço e no tempo, em que o leitor é chamado a reconstruir as peças da narrativa. O sofrimento exigido ao leitor nessa reconstrução vertiginosa espelha a opressão que condiciona os actos e as convicções dos personagens. É uma obra genial, daquela mão-cheia que levaríamos para uma ilha isolada.
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Mas façam um esforço suplementar e leiam as outras duas. Mais fáceis de ler, mas não menos grandiosas. Merece o Vargas Llosa e merecemos nós, apaixonados por textos sublimes ou simples homens preocupados com o seu futuro.
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Imagem da capa e excerto da edição de 1991 do Círculo de Leitores

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu José Saramago, O Imaginador

Dizia-se das suas obras que eram difíceis. Incompreensíveis, até. E ostensivamente vermelhas. A minha mãe, que tem a antiga 4ª classe e é social-democrata, não concorda. Devorou o Ensaio sobre a Cegueira como quem segue fielmente o enredo de uma telenovela - que ela também vê.
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Só duas coisas o podem explicar: a minha mãe é muito paciente e gosta de histórias bem imaginadas e surpreendentes.
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A escrita de Saramago exige perseverança por parte do leitor, pois desafia os nossos modelos de leitura e joga com o nosso fio de raciocínio, recreando-se provocadoramente com as palavras. Ninguém poderá escrever como José Saramago, pois a sua palavra é tão distinta que qualquer imitação não será mais do que isso: a escrita de Saramago. Tal como reconhecemos a de Vargas Llosa, a de Ubaldo Ribeiro, a de Faulkner...
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As histórias imaginadas por José Saramago são irrepetíveis. Todos os seus livros narram histórias quase inimagináveis. É esse o seu ponto mais forte.
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José Saramago ficará na história da literatura universal por três obras - aquelas a que chamamos primas: o já referido Ensaio sobre a Cegueira, O Ano da Morte de Ricardo Reis e o Memorial do Convento. Porque a três histórias universais, Saramago soube aliar uma escrita irrepreensível, vivaz, sôfrega, inteira. Fechamos estes livros e sabemos que mais nada havia a contar, nem podia ser contado de outro modo. São obras completas.
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Morreu o homem, fica o escritor.
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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Santana Lopes revisitado

A República Portuguesa está num impasse: atravessa um momento da sua história em que não é possível discernir para onde vamos e com quem. O primeiro ministro já perdeu o direito à grafia em maiúsculas: anda tão desnorteado como Santana Lopes quando colocado à proa desta nau sem velas, inebriado de vertigem, a perorar dislates. José Sócrates mostra a sua desorientação na teimosia: "como não sei onde fica o norte, vamos sempre em frente - o futuro está ali, é verde esperança!", mesmo que todos o vejamos negro como breu. O que diferencia este momento do anterior é o grau de profundidade da crise: eleições antecipadas seriam mais uma pazada no fosso em que estamos. Falta saber se com ela não poderíamos encontrar um pouco de bom-senso, o ouro da contemporaneidade política. De que, parece, só a Cavaco Silva resta um pouco. Será suficiente?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O clamor!

A deputada Inês de Medeiros tem o manifesto azar de ter a sua residência oficial na cidade de Paris. Teve ainda a infelicidade de ser eleita como deputada à Assembleia da República pelo partido socialista, tributo dos eleitores ao seu percurso de serviço dedicado à causa pública. Não levanta qualquer incompreensão fundada, pois, que o Conselho de Administração da Assembleia da República tenha aprovado hoje um Despacho que autoriza o pagamento das suas viagens à Cidade Luz, para o seu justo descanso.
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Um clamor indignado avoluma-se por esta terra enjeitada. E não é que vem dessa classe mal-agradecida, desses privilegiados da nação! Desses, desses e dessas dezenas de milhar que, diariamente, percorrem com abnegação milhares de quilómetros de estradas inefáveis para cumprir o nobre rito da certificação escolar!
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Terão eles a suprema lata de exigir também "direito ao subsídio de transporte e ajudas de custo?!" Se assim é, avalie-se já o seu imperfeito juízo!

sexta-feira, 12 de março de 2010

"(Mas) Tu achas isto normal?!"

A pergunta "(Mas) Tu achas isto normal?!" é um dasabafo, um apelo a um olhar conivente, a uma resposta que torne a incompreensão do mundo que nos rodeia menos solitária. É a pergunta, o desabafo que mais se ouve no meu local de trabalho, quase transformado em tique. Mas é a pergunta mais legítima do nosso presente, em Portugal. É um grito silencioso pelas respostas que não lhe dão quem devia decidir por nós.
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Um menino de 12 anos suicida-se porque é violentado pelos colegas e um professor suicida-se porque é violentado pelos seus alunos; a uma ouvinte é-lhe cortada a palavra num fórum da rádio por dizer que sicrano é incompetente quando outros dizem que é competente; a gasolina já vai a caminho do euro e meio ao litro e alguém disse alguma coisa?; os clubes de futebol têm orçamentos bilionários com assistências nos seus estádios que nem merecem esse nome; os nossos jovens são subsidiados para estudar e uma consulta de dez minutos no dentista custa trinta e cinco euros; uma aluna adulta desempregada que frequenta um curso de Educação e Formação ganha mais do que vários funcionários com anos de serviço na escola que frequenta; trabalhamos oito, dez e doze horas por dia quando não há e cada vez haverá menos trabalho para todos; o Procurador Geral da República não se encontra a si mesmo; os nossos alunos usam melhor um gadget do que uma caneta, quando a têm; pedem-nos mais produtividade e, para isso, aumentam-nos a idade da reforma; a construção da linha de TGV até Madrid será uma forma de estimular o emprego e a economia, mas teremos de custear os seus custos de exploração por falta de utilizadores e de pagar o subsídio de desemprego àqueles que a construirão...
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Tudo, tudo factos de absoluta normalidade em Portugal.
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Mas ainda há quem faça aquela pergunta!

domingo, 10 de janeiro de 2010

Educação nonsense

O texto do acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos do sector para retocar o processo de avaliação dos professores é um hino ao ridículo: 20 % para isto, 5% para aquilo; percentagens para agora, percentagens para mais tarde; vagas para estes, factores de compensação para aqueles; observação de aulas obrigatória para filhos do diabo, voluntária para os de deus, mas obrigatória para ambos em duas escalas do inferno; restrições para os tristes, avanços para os alegres e bonificações para os alienados; índices e escalões para todos, dignidade e justiça para nenhuns.
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Não têm mais com quem brincar?
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Só há dois caminhos para melhorar as aprendizagens dos alunos: cultura de exigência e valorização do saber. O resto são mentiras.